Livros

Sobre  Mia Couto: o fio das missangas.

A infinita fiadeira:
A aranha ateia
Diz ao aranho na teia:
– O nosso amor está por um fio

A aranha, aquela aranha, era tão única: não parava de fazer teias! Fazia-as de todos os tamanhos e formas. Havia, contudo um senão: ela fazia-as mas não lhes dava utilidade. O bicho repaginava o mundo. Contudo, sempre inacabava as suas obras. E ao fio e ao cabo, ela já amealhava uma porção de teias que só ganhavam senso no rebrilho das manhãs.
E de dia e noite: os seus palpos primavam obras, com belezas de cacimbo gotejando, rendas e rendilhados. Tudo sem fim nem finalidade. Todo o bom aracnídeo sabe que a teia sempre cumpre as fatais funções: lençol de núpcias, armadilha de caçador. Todos sabem menos a nossa aranhinha, em suas distraiçoeiras funções.
Para a mãe aranha aquilo não passava de mau senso. Para quê tanto lavor se depois não se dava a indevida aplicação? Mas a jovem aranhiça não fazia ouvidos. E alfaiatava, alfinetava, cegava os nós Tecia e retecia o fio, entrelaçava e reentrelaçava mais e mais teia. Sem nunca fazer morada em nenhuma. Recusava a utilitária vocação da sua espécie.
-Não faço teias por instinto.
-Então faz porquê?
-Faço por arte.
Benzia-se a mãe, rezava o pai. Mas nem com preces. A filha saiu pelo mundo em ofício de infinita teceloa. E em cantos e recantos deixava a sua marca, o engenho da sua seda. Os pais, após concertação, a mandaram chamar. A mãe:
-Minha filha, quando e que acentas as patas na parede?
E o pai:
– Já eu me vejo em palpos de mim…
Em choro múltiplo, a mãe limpou as lágrimas dos muitos olhos enquanto disse:
-Estamos recebendo queixas do aranhal.
-O que é que dizem mãe?
-Dizem que isto só pode ser doença apanhada de outras criaturas.
Até que se decidiram: a jovem aranha tinha que ser reconduzida aos seus mandos genéticos. Aquele devaneio seria causado por falta de namorado. A moça seria até virgem, não tendo nunca digerido um machinho. E organizaram um encontro amoroso.
-Vai ver que custa menos que engolir mosca – disse a mãe.
E aconteceu. Contudo, ao invés de devorar o singelo namorador, a aranha namorou e ficou enamorada. Os dois deram-se os apêndices e dançaram ao som de uma brisa que os fazia vibrar a teia. Ou seria a teia que fabricava a brisa?
A aranhiça levou o namorado a visitar a sua colecção de teias, ele que escolhesse uma, ficaria prova de seu amor.
A família desiludida consultou o Deus dos bichos para reclamar a fabricação daquele espécime. Uma aranha assim, com mania de gente? Na sua alta teia, o Deus dos bichos quis saber o que poderia fazer. Pediram que ela transitasse para humana. E assim sucedeu: num golpe divino, a aranha foi convertida em pessoa. Quando ela, já transfigurada, se apresentou no mundo dos humanos logo lhe exigiram a imediata identificação. Quem era, o que fazia?
-Faço arte.
-Arte?
E os humanos se entreolharam, intrigados. Desconheciam o que fosse arte. Em que consistia? Até que um, mais velho, se lembrou. Que houvera um tempo, em tempos idos de que já se perdera a memoria, em que alguns se ocupavam de tais improdutivos afazeres. Felizmente, isso tinha acabado, e os pouco que teimavam em criar esses pouco rentáveis produtos – chamados obras de arte – tinham sido geneticamente transmutados em bichos. Não se lembrava bem em que bichos. Aranhas, ao que parece.

___________________________________________________________

A HISTÓRIA SEM FIM!

Fantasia não tem limite.

neverendingstoryp

a_historia_sem_fim_livrothenevThe_Neverending_Story-front

Uma resposta to “Livros”

  1. thiagofurquim 19 de novembro de 2009 às 11:21 #

    Sabe que ainda não terminei de ler esse livro? Por que será. . .

    =P

Deixe um comentário